quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Final de ano mais uma vez.
Novembro é sempre assim, cartazes fazendo referência ao Natal (faça suas compras de natal e pague só outro ano!), aulas puxadas e cansativas, todos fazendo planos para o que farão nas férias.
Na faculdade, cada dia é uma contagem regressiva para o final, que é mais rápido que no emprego, pois na metade do mês deixamos de ir, exceto se pegamos algum exame. Notas, provas de filósofos que não aguento mais ouvir, principalmente os alemães (por que eles tem que ser tantos e tão chatos?), uma enrolação visível por parte de todos. Ninguém pensa em mais nada a não ser o fim de ano e o começo do outro, onde milagrosamente nossas forças são restauradas.
Surge nesse final de ano também, a caridade e benevolência desmedida, ambas frutos do espírito natalino que todos sentem. Mas que besteira isso!! Precisa-se de datas especiais para as pessoas serem diferentes do que são durante os outros 10 meses do ano. "Boas festas para você!", "Feliz Natal", entre outras frases  aparecem mudando o espírito de todos, mesmo que no fundo as pessoas que as recebem são motivo de humilhações por aqueles que desejam isso a elas. Grande hipocrisia essa, ofendemos os outros dia após dia e de repente, todos viramos amigos, como se nada houvesse existido antes.
Quem sabe deveria existir mais "finais de ano" durante o ano, pois assim cada um colocaria a sua melhor máscara e desejaria o contrário do que sente para os outros. Sentiríamos nossas forças renovadas e lutaríamos pelo que queremos pensando "Já está quase no final. Só mais um pouco" e não fingiríamos enrolar as coisas, mas seríamos diretos: "Oi, tudo bem? Bom, isso que estou fazendo é para perder tempo, afinal, daqui a pouco o ano acaba!".
Mas o que seria dos homens se eles não tivessem uma força que fizesse eles acharem que tudo vai ser diferente? Certamente muito se matariam, pois saberiam que tudo sempre seria a mesma coisa. 
Por isso colocam em suas mentes que o fim de ano significa que dali a pouco começará outro ano e este será diferente. Quanta bobagem dita! Mas todos preferimos acreditar nisso ao aceitarmos que tudo é sempre igual.Alguns mudam, mas existem coisas que sempre permanecerão. Se eu tenho contas elas não sumiram só porque o ano acaba; se eu tenho problemas, também não; somos conformados em aceitar o que muda e achar que tudo tem uma chance.
Mas que graça haveria se não acreditássemos na mudança, mesmo que seja impossível. Se as pessoas não acreditassem na mudança jamais dariam uma segunda chance as outras ou até a si mesmas, pois saberiam que tudo sempre seria igual. Mas ela acontece, mesmo que em pequena escala. 
Temos que acreditar nela para nos sentirmos bem, para acreditar que tudo passa e que tudo melhora, pois assim esperamos. O caso então é acatar o que todo mundo faz, acreditar num final de ano salvador de todos os nossos problemas, médico que cura todas as nossas mágoas, que restabelece nossas forças que estavam se extinguindo.
Colocar uma roupa branca no dia 31 de dezembro e cantar com o pessoal da Globo:"Hoje é um novo dia, de um novo tempo, que começou..."
E depois, como carneiros que seguem o pastor, seguir a vida que todos acreditam, achando que um dia, ou um mês, podem fazer com que tudo tenha se resolvido.
Mas como diriam "É a vida" e esta muitas vezes devem entrar em uma mentira para que acredite que ela realmente vale a pena de ser vivida.




domingo, 9 de outubro de 2011

_Olá, tudo bem com você?
_Tudo sim e com você?

Tudo bem, uma das mentiras mais utilizadas diariamente. Nem metade das pessoas que dizem que estão bem, estão de verdade. Mas é muito melhor responder isso e continuar uma conversa do que ser bombardeado de perguntas do porquê não estar bem. 
Não fazemos isso porque queremos esconder nossos sentimentos, mesmo que isto raramente aconteça, mas porque não gostamos de expor nossos problemas, odiamos pessoas perguntando e tentando se fazer de preocupados com a situação.
Se não é por esse motivo, é porque muitas vezes cansamos de reclamarmos de problemas e ouvirmos um "o que aconteceu?" falso, que após termos respondido a pergunta, é logo camuflado por assuntos fúteis ou que se relacionem a vida daqueles que nos ouvem.
Recebemos um "o que aconteceu?" sem receber depois de respondida a questão, a pergunta "Você precisa de alguma coisa?" ou um "quer que eu te ligue ou vá ai?". O que recebemos é o silêncio ou um relato pessoal sobre o que aconteceu com o outro. Mas conosco que realmente queremos ser ouvidos quando não estamos bem, ninguém pergunta nada. 
Se não somos bombardeados com a vida do outro e suas ações, recebemos desculpas do tipo "tenho que ir, depois a gente se fala. Se cuida", ou outras tantas desculpas que se forem para ser citadas, não dariam fim a este texto. Ninguém se importa com a vida dos outros, vivem enclausurados em seu egoísmo e se esquecem que vivem em mundo que é repleto de pessoas e que são elas que o fazem viver.
Seja avô, mãe, irmão, amigo ou sabe-se lá quem, todos os que rodeiam as pessoas são importantes, mas são esquecidos, pois todos acreditam que sua vida é mais importante que a do próximo.
São poucas as pessoas que se importam, e assim agem porque o que o outro sente as afeta, continuando por muito a serem as mesmas egoístas de sempre. O termo altruísmo, o de se importar com todos sem desejar nada em troca ou porque faz parte de suas vidas é quase nulo, salvo raras exceções.
Essas exceções são muito difíceis de serem encontradas, mas existem.
Existe naquele que pergunta "o que aconteceu?", porque realmente se importa e não porque as regras morais lhe impõem isso. Naquele que ouve e tenta fazer algo a respeito ao invés de achar uma desculpa ou um outro tema para a conversa. Naquele que mesmo que não seja tratado bem pela pessoa que está triste, continua tentando ajudar, mesmo que esta ajuda de não lhe traga algum proveito pessoal.
São raras, mas poderiam ser mais, se todos que perguntassem "Tudo bem?" a outra pessoa, estivessem realmente interessados em ouvir sua resposta.



quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Não há jeito, existem pessoas que por mais que tentemos, não conseguem ter uma segunda chance. Estas pessoas haviam conquistado lugares únicos, mas hoje são despejadas de seu lugares, por não os merecerem.
Dizem que devemos amar nossos pais, mas até que ponto podemos amar alguém que abandona a sua família para ficar com uma menina mais nova que suas próprias filhas? Que por mais motivos que possua, se esquece delas porque já não são importantes? Não consigo mais tentar achar motivos para que você continue sendo amado, e não consigo achá-los porque eles não existem.
Me lembro muito bem de quando temia que não estivesse mais comigo, de quando temia lhe abandonar, pois era o que mais amava e mais admirava, mas hoje não preciso temer por isso, você se foi e eu não quis fazer nada para impedi-lo porque não valia a pena. 
Te vejo e não te reconheço, é como se você tivesse perdido a memória dos anos que passamos juntos, é como se fosse estivesse preso à um feitiço que lhe tirasse sua personalidade. As pessoas te conhecem e te admiram, porque para elas você é a pessoa mas dócil que existe, mas para mim, que sou sua filha, esse tratamento não é aplicado. Talvez seu eu fosse uma estranha, você me trataria assim, porque eu não teria me importado com você.
Mas hoje, após a tristeza que me causou, novamente, eu desisto de você, eu desisto de tentar achar motivos que me levem a admirá-lo, a querer lhe ver e conversar contigo. Você fez suas escolhas, erradas e irresponsáveis, mas elas são suas e não posso obrigá-lo a lembrar de mim, alguém que há tempos já esqueceu. 
Quando sofremos demais, todo o amor que sentimos por aquele que nos fez sofrer acaba e a única coisa que desejamos é se afastar delas. Me desculpe pai, mas não há lugar mais para você na minha vida, assim como você não tem mais lugar na sua para mim.

domingo, 14 de agosto de 2011

Quanto tempo necessitamos para descobrir o caminho certo a tomar? A pessoa a ser escolhida? Alguns diriam: "Anos, é claro! Não há como saber das coisas com pouco tempo".
Mas será que anos são o suficiente para conhecermos as pessoas e sabermos as consequências de cada escolha? Houveram pessoas em minha vida que acreditava conhecer, pois conviva com ela há anos, mas estas se transformaram: Sapos viraram príncipes e príncipes voltaram a ser sapos; o feitiço acabou e as bruxas voltaram a sua real aparência. E assim como as pessoas me surpreenderam, o mesmo aconteceu com ações que tomei achando que já as tinha analisado muito bem, pois foram as primeiras a darem errado.
Uma escolha não pode ser dita "boa" só porque a analisamos por longos períodos e as pessoas que conhecemos há anos tornam-se desconhecidas se estas não forem as certas.
Escolhas e pessoas não possuem nenhuma relação com tempo de convivência, mas sim com o que, quem escolhemos, e principalmente, quais os critérios que utilizamos para tal ação. Se escolhemos as coisas devido a um bem estar instantâneo, estamos fazendo isso errado, pois aquilo que só proporciona algo momentâneo não merece ser levado a posterioridade. Devemos escolher aquilo que no beneficia ao tempo todo e, quando não faz isso, nos coloca a realidade em nossa frente para que possamos crescer.
Devemos escolher aquelas pessoas que não apenas em fases ou horas nos agradam, mas aquelas que nos mostram que sempre podemos contar com a sua presença, mesmo que esta não seja física. Selecionar pessoas que demonstrem ser a parte que nos faltava e que fazem jus ao lugar que ocupam, seja com palavras ou ações.
Assim devem ser nossas opções, àqueles que nos criticam para que possamos crescer e que aceitam ser criticados, pois entendem que só queremos o seu bem, compreendendo que crescer é uma tarefa árdua e que exige de nós quedas, mostrando-nos a realidade, dizendo que se queremos algo devemos transformar nossos sonhos em metas.
Quando agimos dessa forma para selecionarmos o que e quem merece um espaço em nossa vida, nos disponibilizamos a enxergar as coisas tal como são, e quando assim fazemos, não precisamos do tempo para saber se é ou não o certo, pois temos certeza que não nos enganamos.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Sabe aquele dia que você não queria que tivesse existido? Ontem foi um destes dias para mim...
Dia que você não percebe ter sido tão nocivo, até que tudo venha por água abaixo e você perceba o que tanto fez de errado. Mas esse sempre foi um os meus piores defeitos, e nem todos gostam de defeitos, ou melhor ninguém gosta, mas existem pessoas que não os aceitam. Eu já fui uma dessa pessoas que não aceitava, mas logo percebi: Como posso não aceitar os defeitos dos outros, se eu tenho muitos? E tenho o pior de todos, que é o de magoar pessoas com quem realmente me importo e não perceber isso. Isso já me trouxe inúmeras dores de cabeça e hoje me traz mais uma, coisa que demora a passar, porque independente do tempo que haja, existem coisas que não se esquecem nunca, apenas são substituídas por outras, que espero que sejam melhores. 
Tudo que se faz, nunca volta atrás, existem arrependimentos, mas nenhuma substituição. Tudo sempre terá o seu lugar, seja num presente que insiste em jogar isto na cara de diversas formas, ou na nossa memória quando percebemos o quão pequenos somos para tudo o que desejamos fazer. Surge naqueles momentos, onde acordamos de madrugada e percebemos tudo o que perdemos por algo que fizemos, quando estamos sozinhos, pois nada camufla a nossa dor, pelo silêncio daqueles que foram afetados pelos nossos erros.
O silêncio... Algo que em muitos momentos faz tão bem, em outros torna-se pior do que qualquer palavra agressiva. Ele é aquele que nos conforta quando estamos sozinhos e bem com nós mesmos, mas é o mesmo que faz com que desejemos nem acordar quando estes nos ferem profundamente. 
Feridas, estas também são causadas pelo que fizemos aos outros, quando estes exigem o troco pelo que fizemos, transportando a nós toda a dor que lhe causamos. Mas vale realmente fazer isto? As vezes sim, as vezes não. É claro que merecemos pagar pelo mal que causamos aos outros, mas se pensarmos dessa forma não será sempre um bate e volta? E se assim for, isso nunca vai parar, porque um sempre vai querer que o outro sinta o que sentiu, mas a cada vez com mais intensidade e isto certa hora vai tornando-se insuportável, principalmente para aqueles que mais sentem o que os outros fazem...
Sentir, ter pessoas perto de você, ter alguém acreditando que você pode mais, que você é a pessoa certa... Não sei se isso realmente é tão bom assim, porque quando você possui defeitos, tal como o meu, você sabe que vai estar em algum momento fazendo a coisa errada, decepcionando os outros, fazendo mal a eles e uma hora você não consegue mais esconder os seus defeitos, o que pode ser insuportável para os outros. 
Pode-se estar machucando alguém, sem ao menos perceber isso, o obrigando a fingir estar tudo bem para não lhe fazer mal... Mas faz, muito mais mal do que qualquer outra coisa, pois o pior não é alguém fazer mal ao outro, mas fazermos mal a nós mesmos, porque sabemos que fizemos isto aos outros.
E quando vemos o mal que fazemos aos outros, nos sentimos pior do que tudo, e não desejamos fazer mal a mais ninguém, mas sabemos que esta é uma tarefa impossível, pois vivemos cercados de pessoas. A única escapatória para não fazermos mal a mais ninguém é a de sermos sozinhos e sabermos que se formos prejudicar alguém, apenas prejudicaremos a nós mesmos.
Mas será que se é possível viver sozinho mais uma vez, se as pessoas que estão à nossa volta, tornaram o nosso próprio mundo?

sábado, 2 de julho de 2011

Goethe e Os sofrimentos do jovem Werther: o amor como algo já presente dentro de nós.


            Um homem que ama tão profundamente uma mulher que por não suportar mais vê-la noiva de outro e saber que nunca poderá tê-la acaba se matando. Essa é a história de Werther, uma história que já é impactante quando apenas é contada a sua trama, mas como esta se encontra escrita a faz ter um peso ainda maior, pois a cada página do livro o autor descreve o sentimento do amor, um sentimento intenso e que vem de dentro dele.
            Werther foi um personagem criado por Goethe para representar o que o mesmo sentia por uma jovem também chamada Charlotte que se encontrava noiva de Johann Kestner, que na trama Goethe substituirá seu nome por Albert. A cada página o sentimento que possui pela jovem é expressado, mas Goethe não teve o mesmo fim do seu personagem de seu amor levar a morte, mas como o mesmo depois justificou foi necessária a morte do jovem Werther a fim de que, ele mesmo se salvasse, nas suas palavras depois ele justifica da seguinte forma: "matei o herói para me salvar”.
            Mas por que esse amor foi algo tão forte que fez com que o escritor tivesse que matar seu personagem para se salvar? Será que esse sentimento é uma coisa tão íntima e profunda, que se encontra tão enraizado dentro de nós e por isso é algo tão difícil de ser destruído? Bem sabemos que quando alguém ama, ou conceitua como sendo amor o que sente, isto não se apaga de uma vez por toda, às vezes essa ação nunca acontece, ficando dentro de nós como se uma doença que não tem cura.
            Para o escritor e também para todos os escritores da época em que o livro foi escrito, que conhecemos com Sturm and Drang (ou pré-romantismo), percebemos essa concepção racional sobre os sentimentos, mostrando como se estes, assim como o amor já estão em nós desde que nascemos, como uma necessidade intrínseca do homem.
            Mas aonde podemos encontrar essas afirmações? Na obra inteira, ou melhor, a partir do momento em que o jovem Werther conhece Charlotte até o momento derradeiro de sua vida, pois em todos os momentos seu ser é tomado por esse sentimento, assim como o mesmo diz-se encantado por tão bela criatura e que não consegue mais deixar de vê-la e que se tal tarefa fosse necessária o mataria.

“Todas as minhas preces dirigem-se a ela; na minha imaginação não há outra figura senão a dela, e tudo que me cerca somente tem sentido quando relacionado a ela. E isso me proporciona algumas horas de felicidade – até o momento em que novamente preciso separar-me dela! Ah, Wilhelm!, quantas coisas o meu coração desejaria fazer! Depois de estar junto dela duas ou três horas, deliciando-me com a sua presença, suas maneiras, a expressão celestial de suas palavras, e todos os meus sentidos pouco a pouco se tornam tensos, de repente uma sombra turva meus olhos, mal consigo ouvir, sinto-me sufocado, como se estivesse sendo estrangulado por um assassino, meu coração bate estouvadamente, procurando acalmar os meus sentidos atormentados, mas conseguindo apenas aumentar a perturbação – Wilhelm, muitas vezes nem sei se ainda estou neste mundo!” (GOETHE, 2000, p. 69).

            No trecho acima citado, vemos como o jovem Werther sentia-se em relação ao seu amor pela Srta. Charlotte, mas nesse momento este já está sofrendo em saber que ela não pode ser dele, mesmo que em seu íntimo ele acredite que ela sente o mesmo por ele. Eis um problema do jovem Werther, este sempre acreditou que todas as pessoas pudessem ser tomadas do mesmo sentimento que ele, pois bem o descreve e percebemos novamente ele acreditando ser algo interno quando em uma das cartas a Wilhelm o mesmo assim lhe escreve: “Cabe-me alguma culpa, se em seu pobre coração cresceu uma paixão” (GOETHE, 2000, p. 07), entretanto este não esta se referindo a Charlotte, mas a uma moça que havia se apaixonado por ele e que não havia correspondido.
            Segundo Goethe, quando o ser é tomado pelo amor, ele torna-se necessário neste mundo e é somente este sentimento que faz o homem tornar-se assim. Para ele, não existe algo mais sublime, mais verdadeiro e natural do homem do que o amor e sem este sentimento, a própria vida não possui sentido, pois é a finalidade do se humano, amar, independente de ser amado.
            Entretanto, existem escritores que não concordam com Goethe, dizendo que muitas vezes amar alguém é melhor do que ser amado, pois para estes escritores, tal como o francês Charles Baudelaire, em um relacionamento sempre haverá um que sofrerá e outro que terá apenas o bem, sendo que o que sofre é o que ama.

“[...] o amor é muito parecido com uma tortura ou uma operação cirúrgica. Mas esta idéia pode ser desenvolvida da mais amarga. Mesmo que dois amantes estejam apaixonadíssimos e repletos de desejos recíprocos, um deles se mostrará sempre mais calmo ou menos possuído do que o outro. Um é o operador ou o carrasco; o outro o sujeito, a vítima.” (BAUDELAIRE, 2009, p. 17).

            O que ama é a vítima, o paciente; o que é amado, o carrasco, o cirurgião e, com essa idéia o pobre jovem Werther nada mais é do que uma vítima, pois ele ama intensamente e acredita ser amado.
Que Charlotte o ame ou tenha um apreço enorme por ele, não há a menor, pois quando o mesmo vai embora, tentando fugir do que sente pela moça, esta o escreve, demonstrando se importar com ele, mas o amor que ela sente por ele é diferente do que o que ele sente por ela, demonstrando-nos desta maneira que o amor mesmo que seja algo natural de cada um, este possui níveis, e que estes níveis variam de pessoa para pessoa. Werther não se conforma e nos coloca novamente a idéia do amor como algo único do  homem e ainda nos mostra a idéia que quando se ama uma pessoa, esta pessoa deve ser amada apenas por um, e não por dois, ou mais, praguejando diversas vezes contra Alberto, achando indigno de que ele esteja com ela.

“Às vezes não compreendo como outro possa amá-la, tenha o direito de amá-la, quando eu, somente eu a amo, com tanta ternura, tão profundamente, não pensando em outra coisa, querendo apenas esse amor, e não possuindo nada além dela.” (GOETHE, 2000, p. 102)

            Quando o mesmo acha-se indignado com a idéia de outro homem amar sua querida Charlotte, podemos perceber um grande traço das idéias de Platão em seu diálogo O Banquete, tal como se o mesmo afirmasse que ela era sua alma gêmea e que ele e apenas ele poderia a completar, e ela como sendo a única entre todas as mulheres que pudesse ser dele. Aquela que estaria lhe completando, algo de seu corpo, se sua alma e de sua razão, como se isto tivesse sido já predestinado e que, se não viesse a acontecer, as coisas não estariam certas.
            Destarte, ela não ficou com ele, mas casou-se com Alberto, que já era seu noivo, mostrando que o amor que sentia por Werther não era o mesmo que ele sentia por ela e que ele a seu ver, não era a parte que lhe completava, mas apenas alguém que estava na sua vida, tal como todos os outros. Werther não conseguiu aceitar isso, o que fez com que o mesmo se matasse em amor do amor que sentia por Charlotte, não porque ela o pediu isso, mas porque ele não suportou a idéia de que aquilo que o fazia necessário neste mundo fosse a mesma coisa que o faria perder o sentido dessa vida e que aquilo que estava dentro dele desde se nascimento e se mostrou a ele quando conheceu sua amada Charlotte, se tornou algo que fez com o que mesmo entregasse a todo o sofrimento possível pelo fato de saber que nunca mais a teria.
            O amor para Goethe, e que foi expresso por seu personagem é algo totalmente racional, pois ele cresce de algo que possuímos dentro de nós, dentro de nosso coração, tal como ele se refere e que, a momento que nos encontramos com ele, nada mais é possível de fazê-lo calar, nem uma viagem para longe da pessoa amada, nem o tempo, nem as pessoas, mas que quando se espalha não pode ser mais arrancado, pois possui raízes muito profundas, arraigadas dentro de nós desde o momento desde que nascemos.
            Nascemos com o amor e este pode ser descoberto durante a nossa vida, mesmo que alguns nunca o encontrem, e morremos com ele, pois ele é algo que não pode ser tirado de dentro de nós, tal como retiramos uma maçã podre de uma cesta de maçãs para que as outras não estraguem, mas o amor é tal como uma rosa solitária em um jardim que não produz mais dentro de nós, ela não fica lá sem ser notada, assim como seu perfume não se concentra apenas no espaço onde ela se encontra, mas ele se espalha por todos os cantos, é levado pelo ar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BAUDELAIRE, C., Meu coração desnudado – Edição bilíngue. Trad. T. Tadeu. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2009.
 
GOETHE, W. J., Os sofrimentos do jovem Werther. Trad. M. Fleischer – 2ª Ed. São Paulo, Martins Fontes, 2000.


           


        

A QUESTÃO DO BELO NA IDADE MÉDIA COM ÊNFASE EM BERNARDO DE CLARAVAL

Ao falarmos sobre beleza logo nos perguntamos sobre o que é o belo e, consequentemente, o que é o feio. Mas se for para definir ambos os termos, será que realmente conseguimos chegar a uma conclusão exata? Ou será que esta é uma questão entre muitas que também não possui resposta? 
            Ao pensarmos em beleza hoje em dia, logo percebemos que ela possui um estereotipo, mas por que esse estereotipo existe? Sabemos muito bem que no último século, a beleza ganhou um padrão devido principalmente a influência dos meios de comunicação, tal como a televisão e as revistas de circulação nacional e regional. Nestes meios temos um padrão de beleza humana, o que faz com que todos acreditem que ser belo é ser semelhante àquilo.
            Devido a esse estereotipo, foi criada uma supremacia da beleza, onde as pessoas que não estão nestes padrões acabam por serem ate mesmo prejudicadas no meio social, principalmente quando se procura um emprego ou necessita-se de alguma ajuda. Devido a essas pessoas sofrerem desigualdades com relação a sua aparência, estas se esforçam para conquistar o estereotipo imposto pela sociedade. Entretanto, muitas vezes esse esforço ultrapassa os limites que o corpo ou a mente, fazendo que o que parecia ser apenas um meio de se atingir um fim especifico, acabe por se tornar perigoso. Quem sabe todos os tipos de beleza não passem de padrões impostos por alguém ou por algumas pessoas que de alguma forma conseguiram fazer com que o que elas entendem com belo seja o que os outros deveram entender também.
                        A busca do corpo bonito é muito antiga. Para os gregos, por exemplo, a beleza do corpo não era apenas estética, aparente. A beleza expressava um modo de vida do cidadão. O grego belo era aquele que praticava exercícios físicos, aprendia música, discutia política e tinha gosto pelo conhecimento e pela arte. Muito diferente do que se entende hoje não é? As pessoas buscam a beleza não como um modo de vida, mas como algo que as faz sentir melhor, não se importando com a beleza que não seja exterior, independente de que essa é realmente a beleza.
            Na Idade Média, um de nossos temas de discussão desse artigo, também se possui uma continuação da idéia de beleza grega, mesmo que alguns propósitos acabem por serem outros. Nessa época a beleza estava completamente ligada a Deus e ao conhecimento, que para as pessoas da época, advinha de Deus. O homem tornava-se belo quando era bom, e este era bom quando buscava o conhecimento e seguia uma vida regrada pela Igreja, sendo um bom cidadão aos olhos do Criador, este homem bom era o homem que todas as pessoas desejavam ser, o homem que busca uma contemplação espiritual e não uma corpórea, o homem que por muitas vezes fere seu corpo para que no reino dos céus tenha salvação e seja considerado bom aos olhos de Deus.
            Muito diferente do que se busca hoje não é? O que acontece hoje é que muitas vezes o homem não se preocupa em manter o seu espírito, desde que o seu corpo esteja em estado “perfeito”.
            Como se pode perceber, a ideia de beleza é algo bem fixo no mundo em que vivemos, mas o que realmente quer dizer a palavra beleza e por que surgiu essa separação entre o que é belo e o que é feio?

O surgimento da estética

            Desde antes de Cristo, até onde sabemos, na Grécia Antiga, berço da filosofia que conhecemos, o problema sobre o belo existe. A essa busca de uma definição de belo e feio, damos o nome de Estética. Entretanto, a estética é um ramo da filosofia que tem seu nome derivado das palavra grega Aesthesis, que significa aquilo que nos toca, aquilo que nos sensibiliza, portanto o que é a estética e o que é o belo de muito se diferenciam da ideia que se tem atualmente sobre o tema.
            Ora, tanto o que denominamos belo quanto o que denominamos feio nos toca de alguma forma, o belo como algo que nos agrade e o feio como algo desagradável, fazendo com que não questão estética não busquemos apenas explicações sobre o belo, mas sobre a arte e a beleza de uma forma geral, o que nos faz pensar sobre um ângulo diferente o que antes entediamos como apenas algo de uma determinada área.
Nessa querela de procurar definir o belo, temos outro grande problema que se é discutido e tem validade até os dias atuais: o belo é algo que pode ser universalizado fazendo com que todos tenham a mesma opinião sobre o assunto, ou é algo subjetivo de cada um, visto que somos seres únicos?
Se formos pensar nos dias de hoje, conseguimos em vários aspectos perceber uma ideia universal de beleza, entretanto para muitos, esta ideia de beleza universal acaba por se entender como absurda. Essas pessoas que vão contra a concepção de uma beleza universal acabam por, muitas vezes inconsequentemente, já estarem impregnadas com as ideias de uma filosofia anterior, ao passo que, sobre essas questões o filósofo David Hume acaba por ganhar destaque. Para David Hume, a beleza é algo subjetivo, ou seja, é inerente a cada indivíduo, e é esse indivíduo que decidirá o eu é ou não belo. Para Hume e também para muitas pessoas, o gosto é algo que não se discute.
Entretanto para realmente conseguirmos achar uma resposta para a questão, se é que ela existe, voltemos ao início do que entendemos problema sobre o belo, a Grécia Antiga. Na Grécia Antiga temos um filósofo muito conhecido que nos aborda sobre a questão do belo e nos diz que o belo é uma ideia universal. Este filósofo era o discípulo mais fiel de Sócrates, este filósofo era Platão.
Para Platão, a beleza pode e é algo universal, o belo é o bem (Kalós Agathós), a verdade, a perfeição. O belo não existe neste mundo, o que ele denomina mundo sensível ou mundo das formas, o belo existe em um mundo além do nosso, o mundo das ideias/ mundo inteligível. Neste mundo inteligível possuímos a ideia universal do que é o belo e para o filósofo é apenas a ideia de beleza que pode determinar o que é belo ou não. Para Platão, tudo é perfeito enquanto no mundo inteligível, pois este é um mundo que ultrapassa o senso comum (doxa), e por isso é o mundo onde a verdade está, é o mundo perfeito, e por isso tudo que se encontra neste também é perfeito e único, pois não existem cópias de nada, apenas elas em sua originalidade. Porém, como bem sabemos não vivemos nesse mundo, mas em um mundo que nos dá vários objetos que representam a mesma coisa, mesmo que a ideia seja uma só. O que acontece é que no mundo em que vivemos, existe a imitação (mimésis) da ideia perfeita, entretanto, bem como sabemos, a imitação nunca é perfeita, o que faz com que nunca conheçamos a verdade enquanto presos nesse mundo, mas apenas sua representação. Para Platão, possuímos a ideia universal de beleza, mas não podemos conhecê-la neste mundo, apenas sua semelhança.
Como demonstração da beleza universal e perfeita, o filósofo nos dá no diálogo “O Banquete”, um ser que é completo, o qual denomina andrógino. Para descrever o ser andrógino, Platão usa o exemplo dos gregos antigos e descreve o ser através do mito, explicando o nascimento do amor e o porquê as pessoas buscam outras pessoas. O ser andrógino é um ser que pode-se entender como a junção de duas pessoas, com quatro pernas, quatro braços, duas cabeças, etc. no diálogo Platão relata a descrição desses seres por uma das  personagens do texto, onde a personagem conta como esses seres são e o porquê de serem separados. No diálogo esses serem representavam a completude do homem e foram separados por serem seres muito fortes e inteligentes e devido a essa superioridade desafiam os titãs e ameaçam roubar seus lugares. Os titãs acabam por se irar contra os andróginos e decidem dividi-los como castigo, fazendo com que surjam os homens como conhecemos hoje. Essa é uma explicação mítica sobre o fato de sempre o homem buscar outra pessoa. Essa ideia de completude dos andróginos é uma ideia de beleza universal para Platão, uma ideia que só existe no mundo das ideias e não no mundo mimético em que vivemos.
Porém, como mesmo sabemos a ideia de universalidade abordada por Platão não se encaixa em nenhum momento nos dias atuais, pois mesmo que universalizemos a beleza, a universalizaremos de acordo com os nossos padrões, coisa que por Platão não é concebível, pois como o belo esta no mundo das ideias e nos não vivemos neste mundo, não podemos decidir nada sobre o assunto.
Posterior a Platão, temos um aluno de sua academia que não concordava com as ideias de seu mestre, Aristóteles. Enquanto Platão fundamentava-se em uma concepção de verdade e perfeição além desse mundo, Aristóteles buscava uma filosofia mais prática, que possuísse validade no nosso mundo, e não em mundo inteligível, tal como Platão deseja. Aristóteles nos diz que o belo é inerente ao homem, pois a arte é uma criação exclusivamente humana, ou seja, cabe apenas ao homem julgar o que é belo. Por esse motivo para a beleza, que é algo inerente a criação humana, são atribuídos critérios empíricos para seu julgamento: proposição, simetria e ordenação, todos em justa medida.

A estética medieval

            Deixando alguns séculos de lado, mas não menos importantes, outra época em que muito se foi estudado sobre o tema foi a Idade Média, mesmo que muitos acreditem em uma inexistência de preocupações estéticas  Destarte, como bem sabemos, a Idade Média pode ser considerada uma da épocas em que mais se sofreu preconceito, pois este período foi um período que costuma-se dizer que nada de útil se produziu. Por muitos, principalmente historiadores e os iluministas, a Idade Média é denominada, erroneamente, de “Idade das Trevas”, devido a idéia de retrocesso no campo do conhecimento, e devido a essa idéia eis que os iluministas se autodenominam os que trazem a “luz” para onde antes havia apenas escuridão.
            Porém, se nos aprofundarmos na Idade Média logo percebemos como o que os historiadores e iluministas afirmam, de nada é verdadeiro. Ao contrário, não vemos na Idade Média essa escuridão que é relatada, mas uma época em muito se produziu, em todos os campos do conhecimento possíveis. Temos grandes nomes nessa época em todos os ramos possíveis, e em estética possuímos nomes que vão de Santo Agostinho até Bernardo de Claraval.
            Cabe ressaltar que na Idade Média abordaremos principalmente o Ocidente da época, ou seja, onde a religião é algo que por todos é tida como algo indispensável.
            A autoridade eclesiástica da Idade Média introduz na concepção do belo a identificação direta com  Deus, como um ser único e supremo a serviço do Bem e da Verdade. Santo Agostinho concebeu a beleza como todo harmonioso, isto é, com unidade, número, igualdade, proporção e ordem. A beleza do mundo não é mais do que o reflexo da suprema beleza de Deus, onde tudo emana. A partir da beleza das coisas podemos chegar à beleza suprema (a Deus). 
            São Tomás de Aquino, como continuador da ideia aristotélica identificou a beleza com o Bem. As coisas belas possuem três características ou condições fundamentais: a) Integridade ou perfeição (o inacabado ou fragmentário é feio); b) a proporção ou harmonia (a congruência das partes); c) a claridade ou luminosidade. Como em Santo Agostinho, a beleza perfeita identifica-se com Deus.
            Como bem nota-se a ideia de beleza esta completamente ligada a Deus e ao cristianismo, mas então como usar essa ideia do belo medieval para aplicá-lo no cotidiano, tirando-o assim da teoria?
            Analisemos, portanto, a arquitetura cristã da época e como ela esta completamente atrelada ao padrão estético do período medieval. Para tal análise usemos por base São Bernardo de Claraval, um dos nomes de destaque para tal tema. 

Bernardo de Claraval e a estética: a arte cisterciense

"O avarento está sempre faminto como um mendigo, nunca chega a ficar satisfeito com os bens que deseja. O pobre, como senhor de tudo, os despreza, pois não deseja nada". (Bernardo de Claraval).

           
Bernardo de Claraval nasceu em Fontaine-lès-Dijon, Dijon, França, em 1090 e faleceu em Claraval, 1153, foi canonizado pelo papa Alexandre III em 1174 e proclamado doutor da Igreja pelo papa Pio VIII, em 1830. Filho de um vassalo do duque da Borgonha, com 23 anos de idade já Bernardo ingressava no mosteiro de Citeaux (Cister) juntamente com alguns membros da família, onde se tornou monge e lá permaneceu por dois anos, até ser encarregado de encontrar um novo lugar para um mosteiro pelo abade Estevão Harding, deslocando-se para  Clairvaux (Claraval), local onde instala-se até a sua morte, que sob sua direção não demora muito para tornar-se o mais importante centro monástico cisterciense e expande-se por toda a França.
Alem de participar de conflituosos fatos históricos de sua época, foi um fervoroso defensor da reforma da Igreja na volta à pobreza evangélica, ao trabalho e ao manual de oração, sendo o seu programa de vida espiritual caracterizado como um itinerário que leva do pecado à glória, do conhecimento de si ao retorno a Deus: um "retorno a Deus" que se realiza a partir da humildade, ou ante do reconhecimento da própria miséria e pobreza.
Sua obra mais conhecida foi Adversus Abaelardum. Nela combateu as teorias do teólogo e filósofo Pedro Abelardo, por não aceitar as interpretações racionalistas que, segundo Bernardo, desvirtuavam a fé exigida pelos mistérios de Deus. Dentre suas outras obras, também devem ser lembradas sobretudo os "Sermones" (Sermões) e os tratados "De diligendo Deo" (Do amor divino) e "De gradibus humilitatis et superbiae" (Graus da humildade e da soberba), além de um copioso epistolário com cerca de 500 cartas. A invocação da Salve Rainha, é fruto de sua profunda e apaixonada devoção a Nossa Senhora: "Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria". Conta-se que após entrar em uma igreja, São Bernardo ajoelhou-se em frente ao altar e falou estas três palavras, uma a cada vez que ajoelhava.


Bernardo foi um erudito da literatura monástica. Sua profunda reflexão sobre a revelação cristã o distingue dos teólogos de seu século, pois as Escrituras lhe são fonte de águas vivas, às quais constantemente recorre (PASCUAL, 1993: 135).

No campo da estética, São Bernardo destacou-se no que conhecemos hoje em dia como arte cisterciense e a Ordem dos Cistercienses, que advém de Cister, primeiro mosteiro em que ele residiu. Ligada completamente ao “retorno a Deus” pregado pelo Santo, a ordem cisterciense tinha por fundamento o desligamento do material, onde a simplicidade seria o caminho para encontrar o Criador.  Para os cistercienses:

“A busca de Deus era permitida através da ascese e do despojamento total, sem qualquer tipo de solicitações externas à alma, procurando também atingir o Paraíso perdido. Fraternidade, pobreza, simplicidade, silencio são as palavras chaves da espiritualidade cisterciense. Os monges cistercienses de seu nada possuíam ou pelo menos assim era na sua gênese”. (Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias 2006, p.87)

            Outro ponto importante para os cistercienses era onde eram construídos os mosteiros dessa Ordem: o mais afastado possível das cidades. Os monges buscavam a “fuga” desse mundo, vivendo para atingir Deus e sonhando com um mundo melhor, com o Paraíso. Os cistercienses implantaram os seus mosteiros em vales, sendo para isso necessário proceder a profundas transformações no território de modo a torná-los férteis e habitáveis. Esta distância entre os mosteiros e a cidade era explicada com a idéia de que os monges deviam viver na máxima solidão possível.
            Para dar um exemplo claro desse retiro que os monges deviam fazer, o próprio São Bernardo enquanto estava em Claraval, mosteiro por ele fundado, recolhia-se em seu canto e por lá ficava até quase nem conseguir lembrar-se de como era a abóbada do mosteiro. Outro exemplo que nos mostra a simplicidade que S. Bernardo prega é a sua isenção da diferenciação do gosto das comidas, a fim de não desvirtuar-se pelo pecado da gula, mas apenas o necessário, onde conta-se que o mesmo tão concentrado em sua tarefa bebeu inconscientemente um copo de azeite no lugar da água.
            Os monges viviam isolados uns dos outros e também dos conversos que lá viviam, mas mesmo assim possuíam seus afazeres e nunca estavam ociosos, pois para os cistercienses o trabalho deveria existir constantemente.
            No mosteiro todos eram tratados da mesma forma, entretanto os monges e os conversos deviam estar separados, visto que cada um exercia uma função diferente. Os conversos eram homens que faziam o serviço braçal, a fim de se espiritualizarem a partir da humildade, enquanto que os monges deveriam viver na máxima solidão.


“Um mosteiro cisterciense deveria ser encarado como uma cidade ideal e dotado de todos os elementos necessários à subsistência como refere a Regra deS. Bento:“Se possível for, deve o mosteiro ser construído de forma a ter de portas a dentro tudo o necessário, a saber: água, moinho, horta, oficinas onde se exerçam os diversos ofícios, para que os monges não tenham necessidade de andar lá por fora, o que não é nada conveniente para as suas almas” (...)Fora dos muros do mosteiro não se construa qualquer edifício destinado a habitação, que não seja o dos animais. / Com o objetivo de perpetuar entre as abadias uma unidade indissolúvel, estabeleceu-se como norma suprema que a regra de S. Bento será interpretada de uma única maneira e que ninguém se afaste daí, mesmo que seja num pequeno traço” ((Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias 2006, p. 90)



O claustro, segundo Bernardo de Claraval era o Paradisum Claustralis, onde para ele a vida na solidão dos mosteiros era mais do que um ideal a ser seguido nesse mundo, mas a antecipação do paraíso.
Para os Cistercienses a simplicidade das linhas, a pureza das formas, a luminosidade e o seu claro-escuro bastam-se por si só. A arquitetura e a arte cistercienses não têm como finalidade o deleite, pois nada deverá desviar a atenção de Deus. Desde o plano das abadias à simplicidade dos materiais escolhidos tudo se conjuga para elevar a procura de Deus e busca da santidade.  Para os defensores da via ascética e da pobreza, apenas através da libertação dos bens materiais e da dádiva pode o Homem encontrar o amor espiritual e Deus e para S. Bernardo nada devia distrair o olhar e o espírito da ideia de Deus.

:“De resto, nos claustros, diante dos irmãos a fazer leituras, que faz aquela ridícula monstruosidade, aquela disforme beleza e bela disformidade? Para que estão lá aqueles imundos macacos? Para quê os leões ferozes? Para quê os centauros monstruosos? Para quê os semihomens? Para quê os tigres às manchas? Para quê os soldados a combater? Para quê os caçadores a tocar trombeta? Vês uma cabeça com muitos corpos e um corpo com muitas cabeças. Daqui vê-se um quadrúpede com cauda de serpente, dali um peixe com cabeça de quadrúpede. Ali uma besta tem frente de cavalo e de cabra a parte de trás; acolá um animal cornudo tem traseiro de cavalo. Tão grande e tão admirável aparece por toda a parte a variedade das formas que mais apetece ler nos mármores que nos códices, gastar todo o dia a admirar estas coisas que a meditar na lei de Deus. Meu Deus! Se a gente não se envergonha destas frivolidades, porque não tem pejo das despesas?”(CLARAVAL,1997,p. 66,67)


 Bernardo de Claraval condenava a ornamentação e a beleza em excesso não porque fora insensível aos seus encantos, antes pelo contrário, ele foi capaz de perceber como estas podem fazer com que o homem acabe por elas seduzido e assim longe do caminho de Deus. No trecho acima citado, Bernardo critica a arquitetura da Ordem de Cluny, que a seu ver era um exagero e não se obtinha o resultado esperado: a busca de Deus.
Bernardo de Claraval também criticou muito a imagem dos santos que existia nas igrejas, justificando dizendo que o povo acabava por adorar o santo não pelo que  ele realmente era e havia feito, mas contemplava a beleza exterior dos quadros dos santos, adorando e tendo mais respeito por eles devido a beleza do que qualquer outra coisa. São Bernardo mesmo diz em seu livro “Apologia a Guilherme”: “A gente corre a beijar, é convidada a fazer donativos e mais admira o belo do que venera o sagrado”.
Outra parte que São Bernardo nos coloca claramente essa idéia é quando nos diz que os santos são considerados quanto mais santos quanto mais vivamente são coloridos.
Tal como alguns filósofos anteriores (Aristóteles, Epicuro e Boécio, por exemplo), São Bernardo busca uma moderação, diferenciando-se dos outros por buscar isso na estética, onde suas concepções estéticas estão em uma arte útil e necessária e não algo em excesso tal como era para o abade Guilherme e Ordem de Cluny, outros a qual ele critica.
 Além dessa nova concepção estética, Bernardo de Claraval une a experiência estética com a religiosa, onde a partir de 1150, começa-se a falar de modelos arquitetônicos com os padrões “bernardinos”, mesmo que São Bernardo nada tenha escrito sobre o assunto, interpretando a Regra de São Bento, por São Bernardo estabelecida para os cistercienses.
Bernardo de Claraval foi certamente o maior colaborador da arquitetura cisterciense que subsiste até hoje e não se ateve apenas a sua época ou ao seu país, mas expandiu-se, como por exemplo, o Mosteiro de Nossa Senhora de Tabosa, construído em 1692, em Portugal, onde a Igreja que existe dentro do mosteiro, tal qual todos os mosteiros do estilo “bernardino”, ainda está em funcionamento.

Conclusão

            Da Idade Média até a atualidade podemos ver um grande caminho que foi traçado para todos os lados, e inconscientemente acreditamos que quanto mais tempo se discute algo, mais críticos nos tornamos e melhor vemos a realidade. Entretanto em muitas áreas isso não parece acontecer. Uma dessas áreas que parece ter sofrido um retrocesso é a estética, pois se formos analisá-la atualmente logo percebemos o quanto a mesma parece ter regredido.
            Enquanto na Idade Média possuímos a discussão de padrões estéticos ligados ao transcendentalismo, atualmente vemos padrões estéticos sendo moldados e discutidos a partir dos meios midiáticos que possuímos, perdendo desta forma realmente uma discussão com bases sólidas e a tomando como algo que não faz parte de uma ciência, mas apenas do senso comum.
            Que a discussão sobre a beleza faça parte da vida de todos, não pode-se ter a menos duvida, mas o que parece ter acontecido e cada vez esta indo de ma a pior é o como e o porque de discuti-la, retirando todo o seu real significado e afixando novos significados de acordo com o interesse dos dominantes.
            A estética que por tantos séculos foi debatida hoje de nada mais passa do que algo padronizado, algo que se tem com uma transfiguração real de significados, o que faz perder seu real sentido e o esforço daqueles que sobre ela discutiram.
            O que São Bernardo diria se pudesse voltar a vida e se encontrasse no século XXI? Não apenas eles, mas todos os filósofos e simpatizantes que discutiram sobre o tema achariam de tudo isso? Com certeza de nada ficariam satisfeitos, pois certamente acreditariam que todos os seus estudos foram em vão, pois as pessoas não interessaram-se em estudá-los e adotá-los para forma seus conceitos sobre o que é a estética.
            Onde esta o desligamento do material mostrando que o belo esta no simples? Onde esta a idéia que as riquezas mundanas não são belas, mas o seu contrario? A cada dia percebemos que não se busca em nenhuma área o imaterial e o simples, mas ao contrário, é mais belo quanto mais adornos tem, é melhor quanto mais colorido for, é mais desejado aquele que mais parecido é com o que se diz que deve ser o padrão de beleza.
            Quão tolo é aquele que pensa ter padrões únicos de beleza, e que seus conceitos são formados por apenas si sem a ajuda de qualquer outro fator externo. Todos somos frutos da época em que vivemos de alguma forma, alguns para o bem, outros para o mal, mas todos em algum momento somos os filhos da sociedade e agimos de acordo com ela.
            Mas realmente precisamos empregar seu conceitos por toda a nossa vida e em todos os aspectos? Por que o belo que Hume nos colocava como subjetivo não é encarado tal como ele nos coloca? Por que preferimos ter padrões para tal assunto ao invés de pensarmos realmente o que seria a beleza? Muitas vezes somos tão cegos para isso que contemplando a beleza de um objeto de consumo, esquecemos quantas coisas possuímos de belo sem realmente o perceber. O belo não é um quadro bem pintado, uma jóia trabalhada, uma paisagem, o belo na realidade esta longe de ser isso. O belo se resume aos olhos da pessoa que o vê realmente e não àquela que diz ver, pois quem diz ver não vê nada, o belo não se vê, mas sente-se, sente-se pela capacidade que se tem em saber diferenciar o que é superficial e o que é duradouro.

Bibliografia

PASCUAL, Francisco Rafael de. "Perfil Biográfico". Obras completas de San Bernardo. vol. 1. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), 1993.

Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias – Volume I, Organização Departamento de Ciências e Técnicas do Patrimônio e Departamento de História, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto: 2006

CLARAVAL, B. “Bernardo de Claraval. Apologia para Guilherme, Abade”, Trad. Geraldo Coelho Dias (apresentação, tradução e notas) Fundação Eng. António de Almeida, Porto; 1997.