Ao falarmos sobre beleza logo nos perguntamos sobre o que é o belo e, consequentemente, o que é o feio. Mas se for para definir ambos os termos, será que realmente conseguimos chegar a uma conclusão exata? Ou será que esta é uma questão entre muitas que também não possui resposta?
Ao pensarmos em beleza hoje em dia, logo percebemos que ela possui um estereotipo, mas por que esse estereotipo existe? Sabemos muito bem que no último século, a beleza ganhou um padrão devido principalmente a influência dos meios de comunicação, tal como a televisão e as revistas de circulação nacional e regional. Nestes meios temos um padrão de beleza humana, o que faz com que todos acreditem que ser belo é ser semelhante àquilo.
Devido a esse estereotipo, foi criada uma supremacia da beleza, onde as pessoas que não estão nestes padrões acabam por serem ate mesmo prejudicadas no meio social, principalmente quando se procura um emprego ou necessita-se de alguma ajuda. Devido a essas pessoas sofrerem desigualdades com relação a sua aparência, estas se esforçam para conquistar o estereotipo imposto pela sociedade. Entretanto, muitas vezes esse esforço ultrapassa os limites que o corpo ou a mente, fazendo que o que parecia ser apenas um meio de se atingir um fim especifico, acabe por se tornar perigoso. Quem sabe todos os tipos de beleza não passem de padrões impostos por alguém ou por algumas pessoas que de alguma forma conseguiram fazer com que o que elas entendem com belo seja o que os outros deveram entender também.
A busca do corpo bonito é muito antiga. Para os gregos, por exemplo, a beleza do corpo não era apenas estética, aparente. A beleza expressava um modo de vida do cidadão. O grego belo era aquele que praticava exercícios físicos, aprendia música, discutia política e tinha gosto pelo conhecimento e pela arte. Muito diferente do que se entende hoje não é? As pessoas buscam a beleza não como um modo de vida, mas como algo que as faz sentir melhor, não se importando com a beleza que não seja exterior, independente de que essa é realmente a beleza.
Na Idade Média, um de nossos temas de discussão desse artigo, também se possui uma continuação da idéia de beleza grega, mesmo que alguns propósitos acabem por serem outros. Nessa época a beleza estava completamente ligada a Deus e ao conhecimento, que para as pessoas da época, advinha de Deus. O homem tornava-se belo quando era bom, e este era bom quando buscava o conhecimento e seguia uma vida regrada pela Igreja, sendo um bom cidadão aos olhos do Criador, este homem bom era o homem que todas as pessoas desejavam ser, o homem que busca uma contemplação espiritual e não uma corpórea, o homem que por muitas vezes fere seu corpo para que no reino dos céus tenha salvação e seja considerado bom aos olhos de Deus.
Muito diferente do que se busca hoje não é? O que acontece hoje é que muitas vezes o homem não se preocupa em manter o seu espírito, desde que o seu corpo esteja em estado “perfeito”.
Como se pode perceber, a ideia de beleza é algo bem fixo no mundo em que vivemos, mas o que realmente quer dizer a palavra beleza e por que surgiu essa separação entre o que é belo e o que é feio?
O surgimento da estética
Desde antes de Cristo, até onde sabemos, na Grécia Antiga, berço da filosofia que conhecemos, o problema sobre o belo existe. A essa busca de uma definição de belo e feio, damos o nome de Estética. Entretanto, a estética é um ramo da filosofia que tem seu nome derivado das palavra grega Aesthesis, que significa aquilo que nos toca, aquilo que nos sensibiliza, portanto o que é a estética e o que é o belo de muito se diferenciam da ideia que se tem atualmente sobre o tema.
Ora, tanto o que denominamos belo quanto o que denominamos feio nos toca de alguma forma, o belo como algo que nos agrade e o feio como algo desagradável, fazendo com que não questão estética não busquemos apenas explicações sobre o belo, mas sobre a arte e a beleza de uma forma geral, o que nos faz pensar sobre um ângulo diferente o que antes entediamos como apenas algo de uma determinada área.
Nessa querela de procurar definir o belo, temos outro grande problema que se é discutido e tem validade até os dias atuais: o belo é algo que pode ser universalizado fazendo com que todos tenham a mesma opinião sobre o assunto, ou é algo subjetivo de cada um, visto que somos seres únicos?
Se formos pensar nos dias de hoje, conseguimos em vários aspectos perceber uma ideia universal de beleza, entretanto para muitos, esta ideia de beleza universal acaba por se entender como absurda. Essas pessoas que vão contra a concepção de uma beleza universal acabam por, muitas vezes inconsequentemente, já estarem impregnadas com as ideias de uma filosofia anterior, ao passo que, sobre essas questões o filósofo David Hume acaba por ganhar destaque. Para David Hume, a beleza é algo subjetivo, ou seja, é inerente a cada indivíduo, e é esse indivíduo que decidirá o eu é ou não belo. Para Hume e também para muitas pessoas, o gosto é algo que não se discute.
Entretanto para realmente conseguirmos achar uma resposta para a questão, se é que ela existe, voltemos ao início do que entendemos problema sobre o belo, a Grécia Antiga. Na Grécia Antiga temos um filósofo muito conhecido que nos aborda sobre a questão do belo e nos diz que o belo é uma ideia universal. Este filósofo era o discípulo mais fiel de Sócrates, este filósofo era Platão.
Para Platão, a beleza pode e é algo universal, o belo é o bem (Kalós Agathós), a verdade, a perfeição. O belo não existe neste mundo, o que ele denomina mundo sensível ou mundo das formas, o belo existe em um mundo além do nosso, o mundo das ideias/ mundo inteligível. Neste mundo inteligível possuímos a ideia universal do que é o belo e para o filósofo é apenas a ideia de beleza que pode determinar o que é belo ou não. Para Platão, tudo é perfeito enquanto no mundo inteligível, pois este é um mundo que ultrapassa o senso comum (doxa), e por isso é o mundo onde a verdade está, é o mundo perfeito, e por isso tudo que se encontra neste também é perfeito e único, pois não existem cópias de nada, apenas elas em sua originalidade. Porém, como bem sabemos não vivemos nesse mundo, mas em um mundo que nos dá vários objetos que representam a mesma coisa, mesmo que a ideia seja uma só. O que acontece é que no mundo em que vivemos, existe a imitação (mimésis) da ideia perfeita, entretanto, bem como sabemos, a imitação nunca é perfeita, o que faz com que nunca conheçamos a verdade enquanto presos nesse mundo, mas apenas sua representação. Para Platão, possuímos a ideia universal de beleza, mas não podemos conhecê-la neste mundo, apenas sua semelhança.
Como demonstração da beleza universal e perfeita, o filósofo nos dá no diálogo “O Banquete”, um ser que é completo, o qual denomina andrógino. Para descrever o ser andrógino, Platão usa o exemplo dos gregos antigos e descreve o ser através do mito, explicando o nascimento do amor e o porquê as pessoas buscam outras pessoas. O ser andrógino é um ser que pode-se entender como a junção de duas pessoas, com quatro pernas, quatro braços, duas cabeças, etc. no diálogo Platão relata a descrição desses seres por uma das personagens do texto, onde a personagem conta como esses seres são e o porquê de serem separados. No diálogo esses serem representavam a completude do homem e foram separados por serem seres muito fortes e inteligentes e devido a essa superioridade desafiam os titãs e ameaçam roubar seus lugares. Os titãs acabam por se irar contra os andróginos e decidem dividi-los como castigo, fazendo com que surjam os homens como conhecemos hoje. Essa é uma explicação mítica sobre o fato de sempre o homem buscar outra pessoa. Essa ideia de completude dos andróginos é uma ideia de beleza universal para Platão, uma ideia que só existe no mundo das ideias e não no mundo mimético em que vivemos.
Porém, como mesmo sabemos a ideia de universalidade abordada por Platão não se encaixa em nenhum momento nos dias atuais, pois mesmo que universalizemos a beleza, a universalizaremos de acordo com os nossos padrões, coisa que por Platão não é concebível, pois como o belo esta no mundo das ideias e nos não vivemos neste mundo, não podemos decidir nada sobre o assunto.
Posterior a Platão, temos um aluno de sua academia que não concordava com as ideias de seu mestre, Aristóteles. Enquanto Platão fundamentava-se em uma concepção de verdade e perfeição além desse mundo, Aristóteles buscava uma filosofia mais prática, que possuísse validade no nosso mundo, e não em mundo inteligível, tal como Platão deseja. Aristóteles nos diz que o belo é inerente ao homem, pois a arte é uma criação exclusivamente humana, ou seja, cabe apenas ao homem julgar o que é belo. Por esse motivo para a beleza, que é algo inerente a criação humana, são atribuídos critérios empíricos para seu julgamento: proposição, simetria e ordenação, todos em justa medida.
A estética medieval
Deixando alguns séculos de lado, mas não menos importantes, outra época em que muito se foi estudado sobre o tema foi a Idade Média, mesmo que muitos acreditem em uma inexistência de preocupações estéticas Destarte, como bem sabemos, a Idade Média pode ser considerada uma da épocas em que mais se sofreu preconceito, pois este período foi um período que costuma-se dizer que nada de útil se produziu. Por muitos, principalmente historiadores e os iluministas, a Idade Média é denominada, erroneamente, de “Idade das Trevas”, devido a idéia de retrocesso no campo do conhecimento, e devido a essa idéia eis que os iluministas se autodenominam os que trazem a “luz” para onde antes havia apenas escuridão.
Porém, se nos aprofundarmos na Idade Média logo percebemos como o que os historiadores e iluministas afirmam, de nada é verdadeiro. Ao contrário, não vemos na Idade Média essa escuridão que é relatada, mas uma época em muito se produziu, em todos os campos do conhecimento possíveis. Temos grandes nomes nessa época em todos os ramos possíveis, e em estética possuímos nomes que vão de Santo Agostinho até Bernardo de Claraval.
Cabe ressaltar que na Idade Média abordaremos principalmente o Ocidente da época, ou seja, onde a religião é algo que por todos é tida como algo indispensável.
A autoridade eclesiástica da Idade Média introduz na concepção do belo a identificação direta com Deus, como um ser único e supremo a serviço do Bem e da Verdade. Santo Agostinho concebeu a beleza como todo harmonioso, isto é, com unidade, número, igualdade, proporção e ordem. A beleza do mundo não é mais do que o reflexo da suprema beleza de Deus, onde tudo emana. A partir da beleza das coisas podemos chegar à beleza suprema (a Deus).
Já São Tomás de Aquino, como continuador da ideia aristotélica identificou a beleza com o Bem. As coisas belas possuem três características ou condições fundamentais: a) Integridade ou perfeição (o inacabado ou fragmentário é feio); b) a proporção ou harmonia (a congruência das partes); c) a claridade ou luminosidade. Como em Santo Agostinho, a beleza perfeita identifica-se com Deus. Como bem nota-se a ideia de beleza esta completamente ligada a Deus e ao cristianismo, mas então como usar essa ideia do belo medieval para aplicá-lo no cotidiano, tirando-o assim da teoria?
Analisemos, portanto, a arquitetura cristã da época e como ela esta completamente atrelada ao padrão estético do período medieval. Para tal análise usemos por base São Bernardo de Claraval, um dos nomes de destaque para tal tema.
Bernardo de Claraval e a estética: a arte cisterciense
"O avarento está sempre faminto como um mendigo, nunca chega a ficar satisfeito com os bens que deseja. O pobre, como senhor de tudo, os despreza, pois não deseja nada". (Bernardo de Claraval).
Bernardo de Claraval nasceu em Fontaine-lès-Dijon, Dijon, França, em 1090 e faleceu em Claraval, 1153, foi canonizado pelo papa Alexandre III em 1174 e proclamado doutor da Igreja pelo papa Pio VIII, em 1830. Filho de um vassalo do duque da Borgonha, com 23 anos de idade já Bernardo ingressava no mosteiro de Citeaux (Cister) juntamente com alguns membros da família, onde se tornou monge e lá permaneceu por dois anos, até ser encarregado de encontrar um novo lugar para um mosteiro pelo abade Estevão Harding, deslocando-se para Clairvaux (Claraval), local onde instala-se até a sua morte, que sob sua direção não demora muito para tornar-se o mais importante centro monástico cisterciense e expande-se por toda a França.
Alem de participar de conflituosos fatos históricos de sua época, foi um fervoroso defensor da reforma da Igreja na volta à pobreza evangélica, ao trabalho e ao manual de oração, sendo o seu programa de vida espiritual caracterizado como um itinerário que leva do pecado à glória, do conhecimento de si ao retorno a Deus: um "retorno a Deus" que se realiza a partir da humildade, ou ante do reconhecimento da própria miséria e pobreza.
Sua obra mais conhecida foi Adversus Abaelardum. Nela combateu as teorias do teólogo e filósofo Pedro Abelardo, por não aceitar as interpretações racionalistas que, segundo Bernardo, desvirtuavam a fé exigida pelos mistérios de Deus. Dentre suas outras obras, também devem ser lembradas sobretudo os "Sermones" (Sermões) e os tratados "De diligendo Deo" (Do amor divino) e "De gradibus humilitatis et superbiae" (Graus da humildade e da soberba), além de um copioso epistolário com cerca de 500 cartas. A invocação da Salve Rainha, é fruto de sua profunda e apaixonada devoção a Nossa Senhora: "Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria". Conta-se que após entrar em uma igreja, São Bernardo ajoelhou-se em frente ao altar e falou estas três palavras, uma a cada vez que ajoelhava.
Bernardo foi um erudito da literatura monástica. Sua profunda reflexão sobre a revelação cristã o distingue dos teólogos de seu século, pois as Escrituras lhe são fonte de águas vivas, às quais constantemente recorre (PASCUAL, 1993: 135).
No campo da estética, São Bernardo destacou-se no que conhecemos hoje em dia como arte cisterciense e a Ordem dos Cistercienses, que advém de Cister, primeiro mosteiro em que ele residiu. Ligada completamente ao “retorno a Deus” pregado pelo Santo, a ordem cisterciense tinha por fundamento o desligamento do material, onde a simplicidade seria o caminho para encontrar o Criador. Para os cistercienses:
“A busca de Deus era permitida através da ascese e do despojamento total, sem qualquer tipo de solicitações externas à alma, procurando também atingir o Paraíso perdido. Fraternidade, pobreza, simplicidade, silencio são as palavras chaves da espiritualidade cisterciense. Os monges cistercienses de seu nada possuíam ou pelo menos assim era na sua gênese”. (Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias 2006, p.87)
Outro ponto importante para os cistercienses era onde eram construídos os mosteiros dessa Ordem: o mais afastado possível das cidades. Os monges buscavam a “fuga” desse mundo, vivendo para atingir Deus e sonhando com um mundo melhor, com o Paraíso. Os cistercienses implantaram os seus mosteiros em vales, sendo para isso necessário proceder a profundas transformações no território de modo a torná-los férteis e habitáveis. Esta distância entre os mosteiros e a cidade era explicada com a idéia de que os monges deviam viver na máxima solidão possível.
Para dar um exemplo claro desse retiro que os monges deviam fazer, o próprio São Bernardo enquanto estava em Claraval, mosteiro por ele fundado, recolhia-se em seu canto e por lá ficava até quase nem conseguir lembrar-se de como era a abóbada do mosteiro. Outro exemplo que nos mostra a simplicidade que S. Bernardo prega é a sua isenção da diferenciação do gosto das comidas, a fim de não desvirtuar-se pelo pecado da gula, mas apenas o necessário, onde conta-se que o mesmo tão concentrado em sua tarefa bebeu inconscientemente um copo de azeite no lugar da água.
Os monges viviam isolados uns dos outros e também dos conversos que lá viviam, mas mesmo assim possuíam seus afazeres e nunca estavam ociosos, pois para os cistercienses o trabalho deveria existir constantemente.
No mosteiro todos eram tratados da mesma forma, entretanto os monges e os conversos deviam estar separados, visto que cada um exercia uma função diferente. Os conversos eram homens que faziam o serviço braçal, a fim de se espiritualizarem a partir da humildade, enquanto que os monges deveriam viver na máxima solidão.
“Um mosteiro cisterciense deveria ser encarado como uma cidade ideal e dotado de todos os elementos necessários à subsistência como refere a Regra deS. Bento:“Se possível for, deve o mosteiro ser construído de forma a ter de portas a dentro tudo o necessário, a saber: água, moinho, horta, oficinas onde se exerçam os diversos ofícios, para que os monges não tenham necessidade de andar lá por fora, o que não é nada conveniente para as suas almas” (...)Fora dos muros do mosteiro não se construa qualquer edifício destinado a habitação, que não seja o dos animais. / Com o objetivo de perpetuar entre as abadias uma unidade indissolúvel, estabeleceu-se como norma suprema que a regra de S. Bento será interpretada de uma única maneira e que ninguém se afaste daí, mesmo que seja num pequeno traço” ((Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias 2006, p. 90)
O claustro, segundo Bernardo de Claraval era o Paradisum Claustralis, onde para ele a vida na solidão dos mosteiros era mais do que um ideal a ser seguido nesse mundo, mas a antecipação do paraíso.
Para os Cistercienses a simplicidade das linhas, a pureza das formas, a luminosidade e o seu claro-escuro bastam-se por si só. A arquitetura e a arte cistercienses não têm como finalidade o deleite, pois nada deverá desviar a atenção de Deus. Desde o plano das abadias à simplicidade dos materiais escolhidos tudo se conjuga para elevar a procura de Deus e busca da santidade. Para os defensores da via ascética e da pobreza, apenas através da libertação dos bens materiais e da dádiva pode o Homem encontrar o amor espiritual e Deus e para S. Bernardo nada devia distrair o olhar e o espírito da ideia de Deus.
:“De resto, nos claustros, diante dos irmãos a fazer leituras, que faz aquela ridícula monstruosidade, aquela disforme beleza e bela disformidade? Para que estão lá aqueles imundos macacos? Para quê os leões ferozes? Para quê os centauros monstruosos? Para quê os semihomens? Para quê os tigres às manchas? Para quê os soldados a combater? Para quê os caçadores a tocar trombeta? Vês uma cabeça com muitos corpos e um corpo com muitas cabeças. Daqui vê-se um quadrúpede com cauda de serpente, dali um peixe com cabeça de quadrúpede. Ali uma besta tem frente de cavalo e de cabra a parte de trás; acolá um animal cornudo tem traseiro de cavalo. Tão grande e tão admirável aparece por toda a parte a variedade das formas que mais apetece ler nos mármores que nos códices, gastar todo o dia a admirar estas coisas que a meditar na lei de Deus. Meu Deus! Se a gente não se envergonha destas frivolidades, porque não tem pejo das despesas?”(CLARAVAL,1997,p. 66,67)
Bernardo de Claraval condenava a ornamentação e a beleza em excesso não porque fora insensível aos seus encantos, antes pelo contrário, ele foi capaz de perceber como estas podem fazer com que o homem acabe por elas seduzido e assim longe do caminho de Deus. No trecho acima citado, Bernardo critica a arquitetura da Ordem de Cluny, que a seu ver era um exagero e não se obtinha o resultado esperado: a busca de Deus.
Bernardo de Claraval também criticou muito a imagem dos santos que existia nas igrejas, justificando dizendo que o povo acabava por adorar o santo não pelo que ele realmente era e havia feito, mas contemplava a beleza exterior dos quadros dos santos, adorando e tendo mais respeito por eles devido a beleza do que qualquer outra coisa. São Bernardo mesmo diz em seu livro “Apologia a Guilherme”: “A gente corre a beijar, é convidada a fazer donativos e mais admira o belo do que venera o sagrado”.
Outra parte que São Bernardo nos coloca claramente essa idéia é quando nos diz que os santos são considerados quanto mais santos quanto mais vivamente são coloridos.
Tal como alguns filósofos anteriores (Aristóteles, Epicuro e Boécio, por exemplo), São Bernardo busca uma moderação, diferenciando-se dos outros por buscar isso na estética, onde suas concepções estéticas estão em uma arte útil e necessária e não algo em excesso tal como era para o abade Guilherme e Ordem de Cluny, outros a qual ele critica.
Além dessa nova concepção estética, Bernardo de Claraval une a experiência estética com a religiosa, onde a partir de 1150, começa-se a falar de modelos arquitetônicos com os padrões “bernardinos”, mesmo que São Bernardo nada tenha escrito sobre o assunto, interpretando a Regra de São Bento, por São Bernardo estabelecida para os cistercienses.
Bernardo de Claraval foi certamente o maior colaborador da arquitetura cisterciense que subsiste até hoje e não se ateve apenas a sua época ou ao seu país, mas expandiu-se, como por exemplo, o Mosteiro de Nossa Senhora de Tabosa, construído em 1692, em Portugal, onde a Igreja que existe dentro do mosteiro, tal qual todos os mosteiros do estilo “bernardino”, ainda está em funcionamento.
Conclusão
Da Idade Média até a atualidade podemos ver um grande caminho que foi traçado para todos os lados, e inconscientemente acreditamos que quanto mais tempo se discute algo, mais críticos nos tornamos e melhor vemos a realidade. Entretanto em muitas áreas isso não parece acontecer. Uma dessas áreas que parece ter sofrido um retrocesso é a estética, pois se formos analisá-la atualmente logo percebemos o quanto a mesma parece ter regredido.
Enquanto na Idade Média possuímos a discussão de padrões estéticos ligados ao transcendentalismo, atualmente vemos padrões estéticos sendo moldados e discutidos a partir dos meios midiáticos que possuímos, perdendo desta forma realmente uma discussão com bases sólidas e a tomando como algo que não faz parte de uma ciência, mas apenas do senso comum.
Que a discussão sobre a beleza faça parte da vida de todos, não pode-se ter a menos duvida, mas o que parece ter acontecido e cada vez esta indo de ma a pior é o como e o porque de discuti-la, retirando todo o seu real significado e afixando novos significados de acordo com o interesse dos dominantes.
A estética que por tantos séculos foi debatida hoje de nada mais passa do que algo padronizado, algo que se tem com uma transfiguração real de significados, o que faz perder seu real sentido e o esforço daqueles que sobre ela discutiram.
O que São Bernardo diria se pudesse voltar a vida e se encontrasse no século XXI? Não apenas eles, mas todos os filósofos e simpatizantes que discutiram sobre o tema achariam de tudo isso? Com certeza de nada ficariam satisfeitos, pois certamente acreditariam que todos os seus estudos foram em vão, pois as pessoas não interessaram-se em estudá-los e adotá-los para forma seus conceitos sobre o que é a estética.
Onde esta o desligamento do material mostrando que o belo esta no simples? Onde esta a idéia que as riquezas mundanas não são belas, mas o seu contrario? A cada dia percebemos que não se busca em nenhuma área o imaterial e o simples, mas ao contrário, é mais belo quanto mais adornos tem, é melhor quanto mais colorido for, é mais desejado aquele que mais parecido é com o que se diz que deve ser o padrão de beleza.
Quão tolo é aquele que pensa ter padrões únicos de beleza, e que seus conceitos são formados por apenas si sem a ajuda de qualquer outro fator externo. Todos somos frutos da época em que vivemos de alguma forma, alguns para o bem, outros para o mal, mas todos em algum momento somos os filhos da sociedade e agimos de acordo com ela.
Mas realmente precisamos empregar seu conceitos por toda a nossa vida e em todos os aspectos? Por que o belo que Hume nos colocava como subjetivo não é encarado tal como ele nos coloca? Por que preferimos ter padrões para tal assunto ao invés de pensarmos realmente o que seria a beleza? Muitas vezes somos tão cegos para isso que contemplando a beleza de um objeto de consumo, esquecemos quantas coisas possuímos de belo sem realmente o perceber. O belo não é um quadro bem pintado, uma jóia trabalhada, uma paisagem, o belo na realidade esta longe de ser isso. O belo se resume aos olhos da pessoa que o vê realmente e não àquela que diz ver, pois quem diz ver não vê nada, o belo não se vê, mas sente-se, sente-se pela capacidade que se tem em saber diferenciar o que é superficial e o que é duradouro.
Bibliografia
PASCUAL, Francisco Rafael de. "Perfil Biográfico". Obras completas de San Bernardo. vol. 1. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), 1993.
Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias – Volume I, Organização Departamento de Ciências e Técnicas do Patrimônio e Departamento de História, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto: 2006
CLARAVAL, B. “Bernardo de Claraval. Apologia para Guilherme, Abade”, Trad. Geraldo Coelho Dias (apresentação, tradução e notas) Fundação Eng. António de Almeida, Porto; 1997.